domingo, 28 de abril de 2013

João Rosa de Castro - Alma Nua


SEGUNDA NATUREZA

O que vejo nos seus olhos
E o que pressinto
Desse ar que você expira
E com ele espalha
Partículas de você
Na eternidade.

(É engraçado vislumbrar o ar tal qual mistura
ou solução para o mal que diminui;
esse mal que nem mesmo percebemos)

O que sinto pelo toque dos seus dedos,
Seu riso irônico,
Seu desdém,
Porque vivemos no mesmo mundo, 
No mesmo tempo,
E talvez você quisesse saber-se só,
Levemente só,
Divinamente,
Inebriadamente só.

É uma vontade de “invisibilidade que mostra”
Como se você pudesse sentir um pouco
Ou talvez bastante de mim no espaço vazio.
Assim como aprendi a sentir você
Tão intensamente,
Na grande solidão dos desencontros.

domingo, 21 de abril de 2013

João Rosa de Castro - Alma Nua


DRAMA NATURAL

 

O céu quebra os telhados

Para contemplar os viventes.

 


O céu, voyeur sedutor


Com suas cores


E as estrelas


E a lua e sua face dúbia.

 

O céu e sua promessa de infinitude.

Seus trovões em trágico anúncio.

Suas tempestades em ira.

 

O céu insiste também no silêncio,

Insiste também no azul.

Cenário de astros tão vivos
E nuvens para a hora de pudor.

domingo, 14 de abril de 2013

João Rosa de Castro - Alma Nua


AS MIL E UMA MORTES

 

E se eu morrer de repente, sem que ao menos espere

E encontrar uma floresta em que cantem os pássaros?

Ou quiçá virá um anjo com asas e boas vindas.

Ou uma bruxa vai dizer que já estava me esperando.

Ou vou despertar dum sono que dormia em outra parte.

Ou visão caleidoscópica dos olhos dalgum inseto

Me façam ver este mundo dum modo tão colorido.

Ou flashes do que fizera para ver se eu me arrependo

Do quanto chamam pecado, de tudo que chamo crime.

Ou veja o meu pai sorrindo com uma expressão, um afago.

Ou fosse no fundo um pássaro que enviasse meu pensamento.

Ou então uma serpente que me amasse tão distante.

Ou o filho de uma tribo com a mesma consciência.

Ou o ardor do próprio fogo queimando-me morto e vivo

Na dor prometida e eterna, que não conhece o alívio.

Ou não vou ter nem memória: nascer novamente infante.

Ou vou vagar numa noite que não conhece o dia.

Ou duma anestesia vou acordar distante

Como se até à morte tudo isto fosse um sonho.

Ou no meu próprio túmulo continuarei pensando.

Ou simplesmente o nada tomasse conta de mim

Como se nenhum sentido o meu corpo concebesse.

Ou o infernal torpor da vibração de cada verme.

Ou uma infinda queda num poço que não tem fundo.

Ou um choque terrível como o da descarga elétrica.

Ou na beleza do mar, num silêncio profundo

Um cavalo-marinho tomasse minha existência.

Ou vou ouvir uma música leve e expressiva

Que só me suscitasse o desejo de sorrir.

Ou vou viver um vôo para cima e sem limites.

Ou os torturadores vão formar o grande inferno

Com ameaças mais agudas do que as da própria vida.

Ou vou ver a eternidade como uma tela de cinema.

Como um céu animado pela história do universo.

Ou vou para o mundo dos mortos e serei então mais um

Entre os seres que temem uma morte ainda pior.

Ou serei Deus no comando da propulsão dos sistemas.

Ou uma árvore antiga pensando em todos que passam.

Ou os amigos finados talvez me esperem sequiosos

Para cobrar pelo tempo em que foram esquecidos.

Ou esses mesmos amigos podem sofrer de saudade

E me ensinar com orgulho o que é a vida de um morto.

Ou partirei para Marte para ver sua geografia

Como se então contemplasse uma arte original.

Ou acordar noutro tempo: num passado remoto

Ou quiçá no futuro, com a mesma consciência.

Ou vou para um submundo de criaturas disformes,

Em que serei uma delas, a quem não existe coerência.

Ou encontrarei meu inimigo, aquele que escolhi

Para que a guerra prossiga em póstuma atmosfera.

Ou paraíso de cores, sons e perfumes e brisas

Sem fruto algum proibido, portanto nenhuma fome.

Ou purgatório maçante me mostrará o inferno.

Ou só o seio de Deus, que há muito tempo eu não sinto...

domingo, 7 de abril de 2013

João Rosa de Castro - Alma Nua


MAL NOVO

 

Surge repentino, explode no seu pensamento o nome da doença que matou seus heróis: Heterofobia. Heterofobia. Segue-se uma gargalhada: - Heterofobia - Heterofobia.

- Isso não se confunde, antes se distingue, é misoginia.

- Não, doutora, não. As mulheres, em si, encantam e satisfazem. Os homens, em si, alegram e saciam. O problema é quando se unem. O amor é a causa. O ódio ao amor é o primeiro sintoma

- Mas isso deve ser inveja do casal.

- Não, doutora, não é não. Invejar é não querer que o outro seja feliz. Mas os homens e as mulheres juntos não são felizes. A raiz desse mal novo é a consciência da infelicidade contagiosa. O risco de se contaminar. O heterófobo tem arrepios ao ver o casal de mãos dadas, rumo a uma desgraça certa.

- Mas “ele” também existe a partir dessa relação. Isso parece pulsão de morte. Essa figura sofre antes de biofobia, que é um mal antigo.

- Mas se os homens se beijassem, isso entristeceria o biófobo, mas alegraria o heterófobo. A doutora está evadindo à doença nova.

- Não estou. Quero saber se é nova mesmo ou uma antiga disfarçada em nova. Isso de se alegrar com dois homens se beijando parece hedonismo, busca de prazer, que também é um impulso velho.

- Mas, doutora, a busca do prazer é bem diferente do horror do desprazer. O sujeito pode ser hedonista e ainda ser indiferente ao mundo hétero. O que não ocorre com o novo doente, que tem calafrios da idéia do matrimônio.

- Alguma coisa da infância.

- Deve haver muitas infâncias parecidas.

- A homofobia existe.

- Então, os heterossexuais podem ter aversão aos gays com direito a designação e tudo, como dizem: homofóbico. Agora os gays estão começando a devolver a aversão, numa projeção que culmina com a vingança: o heterofóbico.

- Mas parece que, por exemplo, no caso dos homens homossexuais, eles ficariam sem o encanto do masculino, do viril autêntico, que, de resto os atrai.

- Para o sexo sim. Mas está surgindo o novo gay, que além da alegria, também quer amar e conviver.

- Se quer amar e conviver porque não fazê-lo também com os héteros? Percebo um paradoxo nesse impulso à heterofobia: sobretudo entre essa perspectiva de querer conviver e a doença em si. Será que essa nova figura quer se fechar num mundo só gay e nele “amar e conviver”. Entre iguais isso é muito fácil. Todo mundo se entende, de certa forma.

- Justamente esse contrassenso me faz chamar isso um grande mal a se tratar.
- É verdade. Assim como os outros males são tratados, desde a biofobia até a homofobia, extremos opostos, já que na biofobia temos a aversão à espécie e na homofobia a aversão à não-espécie: dois homens não procriam. Vamos tratar esse mal novo.

João Rosa de Castro - Despedida - Encerramento do Blogue Lume d'Arena

Prezado leitor. É com imensa satisfação que venho expressar minha gratidão a todos que visitaram, leram, compartilharam e acompanharam o L...