domingo, 26 de maio de 2013

João Rosa de Castro - Alma Nua


MADREDEUS

As suas cordas lembram a altivez do brasileirinho, mas também as cores múltiplas dos sons das harpas. A voz de Teresa se harmoniza com o som dos instrumentos como se uma fosse a extensão dos outros ou vice-versa. Não existe o domínio esperado da poesia. A lógica da linguagem poética sucumbe ao monumento da música quase num silêncio respeitoso em relação a esta. Como se o que mais importasse fossem as cordas (ou sons) vocais da mulher, como instrumento. Fica num plano posterior isto a que chamamos palavra, e num plano anterior a essência da voz da mulher, da mãe, da mãe de Deus, em cujas palavras o significado é inferior ao som que ela emite. Essa gradação é de uma sutileza transcendental: chega a questionar a necessidade da palavra produzida pela mulher, quando ela de fato comunica sentimentos que podem ser indecifráveis por meio dos códigos da linguagem; como, por exemplo, a canção de ninar, que transmitiria o desejo de proteção e de acalanto ainda que enfatizasse os sons vocais ou anulasse por completo as palavras, do ponto de vista da inteligibilidade. A voz de Teresa representa perfeitamente a da mãe de Deus – irrepreensível. Os senhores e sua música transportam o meu espírito a distâncias incomensuráveis, talvez também porque a língua seja a mesma com que eu penso ou porque as nossas histórias estarão eternamente entrelaçadas e esse fato cause uma familiaridade intelectual inevitável, ou apenas porque este é o seu propósito mesmo ante o seu grande público, do qual sou parte. Mas Deus tem mãe. Deus tem mãe.

domingo, 19 de maio de 2013

João Rosa de Castro - Alma Nua


ENYA

- Que me diz da minha estranheza:
- Por quê?
- Que essa música tão suave, fundo para imagens paradisíacas, pode servir para me enganar. Aqui entre os que batem os martelos, cortam o ferro com uma serra. Crianças chorando de dor ou até de fome.
- Não acho. Ela serve para o seu momento de solidão, em que você pode imaginar o mundo que você escolher. Eleva o seu espírito até a surdez quanto ao som que te incomoda.
- Se for assim vou ficar mais surdo do que ouvir. Há tantos sons que me incomodam, neste mundo em construção. Nossa realidade com seus anseios primitivos.
- Ela é a sua pausa para o que pode ser só seu. Embora meu seja o coro, a poesia, o piano, a idéia, a voz que move. As imagens de cada um são únicas. Este mundo é só seu. O modo de perceber a história, de recordar o vivido, de sentir o momento e vislumbrar o futuro, é todo seu.
- Então digamos que eu é que me engano e a sua música é apenas parte do contexto em que isso acontece.
- Tudo pode nos levar ao erro, até mesmo a canção que vem do interior da floresta. Mas o erro também serve para construir o seu mundo. Se se tratar de um equívoco, logo terá o excesso dispensado e esquecido. Se se tratar de uma falha, logo será emendada com o que lhe faltar. Além disso, tudo mais virá a ser perfeição.
- Acho que no fundo eu resisto a assumir o meu mundo, receando desistir de viver no mundo comum. É um absurdo abandonar o mundo comum.
- É verdade, o mundo comum não pode ser abandonado com boa consciência. Mas não há nenhum dilema entre os dois. É como mudar de sala, ou alternar as árvores sob cuja sombra se descansa. É privilégio de poucos amar esses dois mundos com o mesmo amor. O trânsito entre eles não é apenas possível como também necessário. A minha música pode estar presente nos dois.
- De alguma forma, certamente.
- É o que sempre espero, é nisso que tenho esperança.

domingo, 12 de maio de 2013

João Rosa de Castro - Alma Nua


ENIGMA

Acho que aprendi com vocês uma coisa importante: desconstruir a oposição. Vocês combinam o profano com o sagrado. Mas penso haver algo barroco nisso, e mais um idealismo romântico, uns elogios infrutíferos. Por um lado é interessante. Lembra a união de Dioniso e sua realização caótica, mas feliz, e Apolo, na sua busca de formas puras, também felizes. Por outro, dá uma certa saudade de tempos imemoriais, em que não sabíamos como curar nossa dor, e assim tudo o que víamos ou sentíamos era de suma importância. É como se eu tivesse de optar entre o canto dos pássaros e o som do sintetizador. Na minha cabeça tudo parece nascer de um dilema e num dilema expirar. Vocês manifestam a dualidade da aurora ou a ambivalência do crepúsculo. Esses dois momentos do dia são dilemas naturais. Mas o que será o dia puro ou a noite pura? O que representam por serem intensos? Um negará o outro? Um ansiará pelo outro? Contemplar o vácuo, contemplar o sol ao mesmo tempo. Eis outro momento de enigma.

domingo, 5 de maio de 2013

João Rosa de Castro - Alma Nua


DEAD CAN DANCE

Eu posso estar completamente equivocado, mas sua música causa a impressão da morte. Eu sou muito ligado aos nomes. “Os Mortos Podem Dançar” dão a mim uma idéia de morte feliz. Não digo em relação à causa mortis, talvez isso nem importe à idéia que tenho desse nome. O que me ocorre são os efeitos da morte, isto é, a alegria que poderia surgir da grande questão de Shakespeare: “ser ou não ser”. Na verdade, ela deveria ser “morrer ou não morrer”. E o que essa decisão traz em seu interior? Dançar entre seres desconexos ou ligados. Levemente, livremente, com imponência ou orgulho. Dançar é o que podemos fazer de mais vivo. Talvez vocês tenham encontrado uma passagem fantástica para o sentido da eternidade. Na sua música, sinto o que poderia ser a situação ideal do homem que teme a morte e anseia por imortalidade. Uma esperança suprema que faz valer cada passo, cada fração de segundo, cada partícula de ar que respiramos, cada momento de pesar que vivemos. Uma religião no seu sentido mais amplo. Uma redenção para a alma mais nula, a qual em cada movimento da dança póstuma enxergará uma virtude nova que não fora percebida na vida.

João Rosa de Castro - Despedida - Encerramento do Blogue Lume d'Arena

Prezado leitor. É com imensa satisfação que venho expressar minha gratidão a todos que visitaram, leram, compartilharam e acompanharam o L...