domingo, 28 de janeiro de 2018

João Rosa de Castro - Bis

ROSA DE PAPEL

Tal como o silêncio é tomado:
Às vezes por arma letal,
Às vezes por sacra virtude,
Você faz da minha omissão o que bem quer.
Aproveita a figura que eu inspiro e rege o seu mundo.
Entretêm-se.
Delicia-se.
A mulher-arma abre os braços e se rende e sucumbe
Porque a guerra é uma distração antiga.

É preciso pilares para sustentar o seu teto.
O que pesa tanto acima de você?
Que passos são estes por sobre a sua cabeça?
O seu sussurro parece um grito disfarçado.
Os seus olhos escrevem e narram uma vertigem.
Amor.
Que fazer com as cores dessa paisagem?
Façamos um mundo juntos.
Façamos a vida juntos.
O real em sua nudez estonteante.
Nossa visão atenta
Que em tudo vê a volúpia.
Aumenta – dá zoom no mundo.
Volume – ensurdece a alma.
A natureza brinca.


Amargo & Inútil é uma ironia usada contra a afirmação de Horácio, que eu lia no metrô, em uma daquelas detestáveis apostilas universitárias, de que a poesia era “doce e útil”.
Considerei bem o contexto em que a expressão era lida: no metrô lotado, lendo um livro fotocopiado, para responder a um questionário de prova regimental, de uma universidade privada. Não tinha como não dizer o contrário do que ele dizia. Daí o livro.
O limite aqui é total. É a pressão da asfixia da sintaxe, em que não existe espaço nem mesmo depois dos pontos finais. Um poema se inicia logo que o anterior termina. Uma invectiva contra os governos pseudossociais da transição entre FHC e Lula.
Na época, eu estava lendo, de forma visceral, os jornais, Eça de Queiroz, Machado de Assis, Lima Barreto, assistindo Nelson Rodrigues e Shakespeare no Teatro Oficina, e o livro não poderia resultar em outro que não este.
É o grito das praças públicas. É o manifesto mais veemente daquela época que precisava ser passada a limpo, como está sendo feito, depois que tudo aquilo passou, ainda que ameace começar tudo de novo, nos dias de hoje e de amanhã. Que nossa mente ainda está nos porões da ditadura militar, e o livro é um grande contributo para essa atmosfera de tortura que se vive ainda hoje, mais de trinta anos depois dela.
É o livro em que trato de política da maneira mais direta em comparação com todos os meus outros trabalhos. Merece muita atenção e será publicado novamente por aqui no nosso eterno carnaval.

O seu autor,
João Rosa de Castro.

domingo, 21 de janeiro de 2018

João Rosa de Castro - Bis

DOPAMINA

Dopamina não é mais que dopamina.
Dopamina não é figura de cartão postal.
Dopamina teimosa precisa ficar sem passar livremente.
Dopamina em excesso é arriscado como o malte.
Dopamina parece frase abreviada e coloquial.
Dopamina é um trem que tem vagões e mais vagões.
Dopamina é capaz de levar Hércules para o choque.
Dopamina gera gírias atômicas.
Dopamina a ciência não entende sem demência.
Dopamina vai no fluxo do cérebro desprezado.
Dopamina manda no mundo que nem dama apaixonada.
Dopamina tem vaidade, tem vontade, tem tensão.
Dopamina faz da vida uma ciranda, um refrão.


Persona Non Grata teria se chamado Ouça-me. Seria, pois, a continuação do desespero. Ocorreu, porém, um imprevisto, em que o gerente do hotel onde eu trabalhava declarou “persona non grata” um primo meu que se hospedava lá, por motivo de vandalismo de um seu companheiro de quarto, e o fato me deixou muito irritado.
Mas o livro em si é considerado o primeiro desta mesma fase que ainda não terminou e inclui toda a minha obra. Fala de samba, de comida, continua com a relação da tecnologia e dos produtos da natureza, valoriza o pensamento jovem, a arte, a vida da burguesia no tempo, questiona o valor da tecnologia pura, a guerra, etc.
Foi o primeiro livro de minha autoria que recebeu registro na Fundação Biblioteca Nacional. Abrindo caminho para todos os outros trinta que viriam depois. Enfim, esses livros não correriam mais o risco do aborto que sofreram centenas de poemas escritos nas minhas primícias.
Graças à psicanálise, o apocalipse tinha terminado, a asfixia tinha sido dissipada, o socorro da escuta havia me redimido ou ao menos atenuado meu desespero. Pareceu-me que a vida estava sob controle.
Fui percebendo o psicólogo como o novo grande senhor integrado, que se contrapunha aos apocalípticos como eu vivera até então. Havia sim muito que ser feito, que ser pensado, dito, ouvido, escrito e lido, antes mesmo que pudéssemos pensar em qualquer fim.
Portanto, Persona Non Grata representa, desde seu nascimento, em 1998, aquele grande recomeço. Uma fase promissora que só terminaria com a escrita do trigésimo primeiro livro.

O seu autor,
João Rosa de Castro.

domingo, 14 de janeiro de 2018

João Rosa de Castro - Bis

DOIS MUNDOS E TRÊS FORÇAS

A força motriz do feijão
Deixou os robôs assustados.
Uma caminhada na praça:
Uma porção de zinco.

Por que deixar os botões de lado
Se reiniciam já os soldados?
Faz tempo que eles marcham.

Distinguir o céu e a terra.
Distinguir a paz e a guerra.
Distinguir o estar e a espera.
Distinguir o vácuo e a atmosfera.

Respirar.
Sim pra tudo?
Não!
Não pra tudo?

Sim!


Tubiro fora o único sobrevivente da diluição. Ainda estava em vias de transcrição para o computador. Eu não tinha a menor ideia de onde protegê-lo. E foi num cartório da Avenida Paulista que me disseram que eu poderia registrar. Em vez de me informarem sobre a biblioteca nacional, aproveitaram os meus míseros reais para carimbar cada página.
Eu não tinha lido o filósofo Frederico ainda. Era tão cristão. Tubiro fala, pois, dos apóstolos diante do mar. Fala em deus com veneração. São poemas coloridos, ingênuos. Não tinham a menor vivência. Qualquer criança de meses poderia ser seu autor.
Fala de aborto, de santidade, de água benta, do amor cristão, do pecado, da cruz, do amor à fortuna, da infância, de um som estrondoso no peito: tudo influência de meus pais e sua espiritualidade.
O eu-lírico parecia desejar ou querer tudo, mas não alcançava nada. É um desespero o que se desenrola no poema. Parece que a persona está sendo asfixiada e pede socorro a si mesma.
Verdadeiramente, Tubiro não é um livro que pretendo publicar, pois é a prova de quão incômodo eu era e ainda posso ser no meu fanatismo, no meu exagerado misticismo. O curioso é que aquele homem, que vivia tudo aquilo, era justamente o tipo agradável às mulheres, que me acolhiam muito bem.
Por outro lado, é o primeiro momento literário em que exponho a tecnologia (com expressões como “digitálias”, “banda Beh”, etc.) contrastada com objetos supranaturais. Outra vantagem que é mister deixar registrada no Tubiro é que, já em 1999, eu era contra a globo, e dizia-a “a madrasta”.

O seu autor,
João Rosa de Castro.

domingo, 7 de janeiro de 2018

João Rosa de Castro - Bis

A REINVENÇÃO DO VENTO

As noites sem sono
Dão sono de dia.
Você abre o livro
Pros moços passarem.
O vento na sua mão é chave,
O verbo na sua língua – suave.
Pega no fundo a cor parda.
Peca na lateral da tela.

As cidades com o tempo se apequenam.
E as multidões minimizam:
Maquetes que vês ao longe.

A sua palavra se avoluma.

Você se tornou gigante.


Na companhia segura do poeta Léo de Carvalho, tiveram início os meus movimentos literários até aqui. Movimentos que, mesmo em direções diferentes, tiveram algo em comum: a escrita de trinta e um livros, sendo eles dezesseis em verso e quinze em prosa.
O primeiro movimento foi ouvir o poeta lendo sua poesia profunda, vibrante e vivaz, repleta de signos do amor e da paixão, resultados da opressão ferrenha da ditadura militar, que forçava as pessoas a uma felicidade que apenas era desmistificada (ou até vivida) através da poesia. Eu precisava daquilo: do contrário me evadia aos tentáculos da “normalidade”, onde era importante permanecer. Uma adolescência um tanto singular havia me perturbado.
O segundo movimento foi recolher aquelas centenas de poemas do amigo e transcrevê-los em textos que eu datilografava; aproveitando para aperfeiçoar a gramática, pois, ao que parecia, eu tendia para as normas padrões.
Foi no apart-hotel Saint Peter, na Alameda Lorena, nos Jardins, que, depois de tanto ouvir e ler poesia, a minha própria se iniciou. Começava então o terceiro movimento: escrever a própria poesia.
O quarto movimento foi, depois de ter diluído em água, sete anos de poesia, recomeçar, com a ajuda da psicanálise, a escrever. Desta vez tomando todo o cuidado para não perder nem mesmo o esboço de um poema, registrando todos os livros na Fundação Biblioteca Nacional.
O quinto movimento foi produzir os demais livros em prosa. O sexto movimento está sendo traduzi-los. O sétimo, publicar cada um. O oitavo movimento, incluir cada um nos prêmios que surgirem, etc., etc., etc. Escrever não tem fim.

O seu autor,
João Rosa de Castro.

João Rosa de Castro - Despedida - Encerramento do Blogue Lume d'Arena

Prezado leitor. É com imensa satisfação que venho expressar minha gratidão a todos que visitaram, leram, compartilharam e acompanharam o L...